Coisas que aprendi no consultório (e na vida) — nº 2
Vergonha da Recaída — e o espaço onde isso pode ser dito em voz alta
Ele entrou em silêncio.
Sentou-se devagar, olhos baixos, mãos inquietas — como se pedisse desculpas por estar ali outra vez.
Depois de um tempo, disse com esforço:
— Doutor… eu recaí.
Já ouvi variações dessa frase muitas vezes. Com raiva, com vergonha, com tristeza — às vezes com tudo isso junto.
Mas em todas elas, há algo que me chama atenção: a tentativa de continuar.
A vergonha da recaída não é só culpa.
É medo.
É a sensação de ter decepcionado quem acreditou.
É a dúvida: será que ainda tenho direito de tentar de novo?
É comum que, nesse momento, a pessoa se retraia, se cale, se afaste.
Como se a queda tivesse anulado todos os passos anteriores.
Mas há algo que a vergonha não vê com clareza: o fato de estar ali, pedindo ajuda, já é um gesto de resistência.
Na consulta, o foco não está na recaída em si — mas no que ela revela.
Não se trata de intervir rápido, corrigir ou prescrever imediatamente.
Antes de qualquer ação, é preciso escutar:
o que aconteceu antes da queda?
Que emoções estavam presentes?
Quais necessidades não reconhecidas ou não atendidas se acumularam até o ponto de ruptura?
Às vezes, a recaída é a primeira linguagem possível para uma dor que não encontrou outro modo de ser dita.
E se for assim, ela também pode ser um mapa:
um registro afetivo, corporal e narrativo de onde as coisas começaram a desandar.
O que essa recaída escancarou que ainda dói em silêncio?
Qual parte sua ainda acredita que merece cuidado, mesmo agora?
O que podemos fazer, juntos, para que isso não se transforme em abandono de si?
Isso não significa ignorar os impactos da recaída.
Sabemos que ela machuca, que causa frustração — na própria pessoa e em quem está ao redor.
Mas também sabemos que castigo não sustenta mudança.
Escuta, sim.
Quando alguém é recebido sem pressa de corrigir, sem medo de ser exposto, começa a reconstruir confiança em si.
E é nesse espaço — onde não se precisa esconder nem se defender — que surgem os primeiros sinais de que algo novo pode ser tentado.
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Porque mudar não é se corrigir.
É se reconhecer.
É reunir as partes que se perderam e, com gentileza e firmeza, seguir na direção do que ainda faz sentido.
E aqui, o espaço é para isso também:
recomeçar antes mesmo de se sentir pronto — e transformar a recaída em aprendizado.
🧭 Se você está passando por isso agora:
• Tente nomear o que sente, mesmo que venha com dor.
• Lembre-se: uma recaída não define quem você é.
• Compartilhe com alguém de confiança — isso diminui o peso.
• Busque apoio profissional ou em grupos.
• Se puder, escreva sobre o que estava acontecendo nos dias anteriores.
• Não apresse conclusões. Escute o que o seu corpo e sua história estão tentando dizer.
• Cada queda tem algo a ensinar — se você puder ficar com ela por tempo suficiente para escutar.
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
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