“15 minutos de silêncio”: quando o corpo vive em estado de guerra sem que ninguém perceba

E se aquela rigidez não for frieza? E se aquela distância não for desinteresse?
E se for só o jeito que o corpo encontrou pra não desabar?

Tem gente que funciona bem — trabalha, entrega, sorri. Mas por dentro, carrega um barulho que não para. Uma mente hiperativa, um corpo em constante alerta, um cansaço que não melhora com descanso. Um estado de guerra que começou muito antes da vida adulta.

Para quem viveu traumas complexos na infância — abusos emocionais, físicos, negligência, abandono, ou mesmo relações cronicamente imprevisíveis — a infância não foi um lugar de abrigo. Foi um campo minado. E sobreviver ali exigiu mais do que força: exigiu estratégias.

Algumas dessas estratégias seguem ativas até hoje.


O silêncio como proteção, não como ausência

Tem quem se cale porque aprendeu cedo que falar não adiantava. Ou pior: que podia trazer punição, desprezo ou vergonha. Então a criança aprendeu a engolir tudo. E cresceu achando que sentir é perigoso — e que o melhor a fazer é esconder.

Outros se doam demais, tentam agradar todo mundo, vivem em alerta com o humor alheio. Carregam dentro de si o medo antigo de não serem amados, de serem deixados. Tentam garantir seu lugar no mundo sendo indispensáveis.

Há também os que se anulam, buscam perfeição obsessivamente, comparam-se o tempo todo, atropelam seus próprios limites.

Não por vaidade ou competição — mas porque, em algum momento, acreditaram que só teriam valor se fossem impecáveis. Como se errar fosse um risco real de rejeição.


Quando o corpo não sabe que o perigo passou

Mesmo quando o ambiente muda, o corpo continua em alerta. Pessoas que enfrentaram traumas repetidos podem desenvolver o que hoje conhecemos como TEPT Complexo (Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo).

Isso não é só “lembrar do que passou”. É reviver. É sentir, de novo e de novo, a mesma angústia, mesmo em contextos seguros.

É ter dissociação — se sentir fora de si, como se não estivesse no próprio corpo.
É ter insônia, pensamentos ruminativos, confusão emocional, sensação de urgência sem motivo.
É o corpo gritar que há perigo, mesmo quando tudo parece bem.

E é aí que, às vezes, surge a autolesão. Não como vontade de morrer — mas como uma tentativa desesperada de ficar. De se reconectar.
Cortar-se pode parecer, por instantes, a única forma de interromper o caos interno.
Não é fraqueza. É desespero. E é preciso olhar para isso com compaixão.

Quando os sinais de alerta do corpo se tornam constantes, buscar apoio de um psiquiatra pode ser fundamental para recuperar o equilíbrio.

Do lado de fora, tudo parece sob controle

Do lado de fora, essa pessoa pode parecer fria, distante, autocentrada.
Mas por dentro, está fazendo o possível para não desmoronar.

Evita dizer o que sente, não por egoísmo, mas por acreditar que vai sobrecarregar quem ama. Guarda segredos emocionais como quem guarda granadas — com medo de que, ao serem expostos, tudo exploda.
“Guardar segredo pra não somar tormento.” Foi assim que uma paciente descreveu.

Ao longo dos anos, outra defesa vai surgindo: parar de esperar.
Afinal, esperar algo — carinho, cuidado, presença — e não receber, machuca.
Melhor não esperar.
Melhor não desejar.
Porque, assim, pelo menos, a frustração não confirma que nada é como deveria.


O desejo escondido: existir com menos luta

No meio desse cenário todo, às vezes aparece um pedido quase sussurrado:
“Queria só 15 minutos de silêncio.”

Mas não é qualquer silêncio.
É um silêncio de dentro.
Sem tensão, sem cobrança, sem controle.
Um espaço onde seja possível apenas existir, sem esconder, sem justificar, sem brigar com o próprio corpo.

Esse desejo não é fuga. É abrigo.
É o anseio por um espaço onde o corpo e a mente possam, finalmente, descansar.


Quando o silêncio vira cuidado

Esse é, muitas vezes, o começo da psicoterapia: criar um lugar onde a pessoa possa descansar das defesas.
Onde não precise se explicar o tempo todo.
Onde não seja necessário estar “forte”.
Onde seja possível reaprender a confiar, a desejar, a existir com menos medo.

Cuidar de si, nesse caso, não é acelerar mudanças. É desacelerar o julgamento.
É reconstruir, com tempo e respeito, aquilo que foi rompido.

Se você se reconheceu nesse texto, saiba: não está sozinho(a).
Existem formas de cuidado que respeitam sua história, seu ritmo e sua dor.
E às vezes tudo começa assim: com 15 minutos de silêncio.

dr fabio fonseca psiquiatra campinas perfil profissional

Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca

Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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