Coisas que aprendi no consultório (e na vida) — nº 1

Ambivalência (ou o conflito entre partes de nós que querem coisas opostas)

Uma forma de cuidado — mas que não pode ser o destino.

Muita gente chega ao consultório dizendo que quer mudar — e quer mesmo.
Quer sair da compulsão, da repetição, do emprego que adoece, da relação que sufoca.
Mas ao mesmo tempo… não vai.
Adia. Justifica. Volta atrás.

No começo, parece comodismo. Mas quase nunca é.
Na maior parte das vezes, é ambivalência: essa tensão entre partes de nós que querem coisas diferentes — e que disputam o volante da vida em silêncio.

Um lado quer romper.
O outro quer evitar o vazio.
Um lado deseja liberdade.
O outro precisa de segurança.
Um lado já entendeu.
O outro ainda está com medo.

Aprendi que, por trás da hesitação, quase sempre há necessidades não reconhecidas — ou dores antigas demais para serem tocadas de frente.
Muitas vezes, essas dores têm raízes em experiências passadas, padrões familiares ou até mesmo em contextos sociais e econômicos que limitam as escolhas possíveis.
Não é raro encontrar pacientes que, mesmo desejando mudar, enfrentam barreiras externas concretas: falta de apoio, insegurança financeira, ou expectativas sociais rígidas.

Por isso, a mudança não começa apenas com força de vontade.
Começa com clareza.
Com escuta.
Com as perguntas certas — aquelas que não pressionam, mas despertam.

Como, por exemplo:
O que te faria valer a pena enfrentar esse desconforto?
O que você já tentou até aqui — e o que aprendeu sobre si mesmo nesse processo?
Se você decidisse mudar, o que seria diferente em sua vida daqui a seis meses?
O que há em você hoje que pode te ajudar a dar esse passo, mesmo com medo?

Essas perguntas fazem parte da entrevista motivacional, uma abordagem clínica baseada em respeito, escuta e autonomia.
Mas não é a única. Outras linhas, como a terapia do esquema, também reconhecem que a ambivalência pode ser sustentada por “modos” internos em conflito: um lado crítico, outro protetor, outro impulsivo.
Reconhecer esses modos, e sua origem em vivências precoces, é fundamental para que a mudança seja possível e sustentável.

Lembro de um paciente que, por anos, hesitou em sair de um emprego tóxico.
Não era só medo do novo: era também o peso de sustentar a família, a insegurança diante do mercado de trabalho e a crença de que “sofrer em silêncio” era uma virtude aprendida em casa.
O processo terapêutico não foi sobre convencê-lo a pedir demissão, mas ajudá-lo a reconhecer seus limites, suas necessidades e a construir, pouco a pouco, alternativas reais.

A entrevista motivacional chama isso de evocar os motivos internos para a mudança.
É quando, em vez de empurrar alguém para frente, a gente ajuda essa pessoa a lembrar por que, lá no fundo, ela quer seguir.

Mas, para quem cuida, é importante lembrar: nem toda ambivalência é só interna.
Às vezes, o contexto realmente não permite a mudança imediata.
Reconhecer isso é tão terapêutico quanto incentivar a ação.
A psiquiatria tradicional, por vezes, negligencia essas nuances, apostando em diagnósticos rápidos e medicalização.
Mas escutar a história, o contexto e os limites reais é parte essencial do cuidado.

Porque, no fim, é isso que nos tira da paralisia:
não um empurrão, mas um acordo íntimo com quem queremos ser — e com o que é possível ser, aqui e agora.

Mudar não é ir contra si.
É se reunir por dentro — e, com gentileza e firmeza, seguir na direção do que já faz sentido, respeitando também o tempo das circunstâncias.


Quando alguém hesita: os princípios da entrevista motivacional

Na clínica, quando alguém está ambivalente, é isso que tento lembrar — os princípios que me ajudam a não apressar, nem desistir:

• Expressar empatia

Mudar é difícil — e hesitar faz parte.
A escuta empática reconhece o conflito sem julgamento, permitindo que a pessoa se sinta compreendida antes de ser desafiada.

• Desenvolver a discrepância

É ajudar a pessoa a perceber a diferença entre o que ela está vivendo e o que realmente valoriza.
A ambivalência se dissolve quando a gente reconecta a vida atual com os valores que importam.

“O que nessa situação está te afastando da pessoa que você quer ser?”

• Evocar e fortalecer os motivos para a mudança

Em vez de oferecer argumentos prontos, convidamos a pessoa a lembrar o que já sabe e sente — e a colocar isso em palavras.
O desejo de mudar precisa vir de dentro.

“Por que isso importa para você?”

• Apoiar a autoeficácia

Mesmo com dúvidas, todo ser humano tem algo que já conseguiu enfrentar.
A entrevista motivacional busca reforçar a confiança da pessoa em sua própria capacidade de mudança.

“O que em você pode te ajudar a lidar com isso dessa vez?”

• Respeitar a autonomia

A decisão final é sempre da pessoa.
Não há controle, só colaboração.
Não há pressa, só presença.

A entrevista motivacional não é sobre convencer alguém a mudar.
É sobre cuidar da parte que já está pronta — e dar tempo para a outra chegar.

E, talvez acima de tudo, é sobre reconhecer que toda mudança real acontece no encontro entre desejo, possibilidade e contexto.

dr fabio fonseca psiquiatra campinas perfil profissional

Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca
Psiquiatria e Psicoterapia

Com mais de 20 anos de experiência como psiquiatra e psicoterapeuta, o Dr. Fábio é conhecido por sua abordagem humanizada e pelo compromisso em oferecer cuidados de saúde mental baseados nas mais recentes evidências científicas.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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