Quando a Psiquiatria vira tendência: O que ganhamos, o que perdemos

O novo lugar da psiquiatria no imaginário coletivo

De uns anos pra cá, a psiquiatria passou a ocupar um lugar novo no imaginário coletivo. Ela deixou de ser um recurso de última instância, reservado a casos extremos, e se transformou numa linguagem corrente: virou pauta de podcast, matéria de revista, post de influencer.

E isso tem o seu valor — afinal, é sinal de que mais pessoas estão se permitindo pedir ajuda. Mas também levanta uma pergunta inquietante: que tipo de escuta estamos oferecendo quando o cuidado psíquico vira tendência?

Avanços e perdas no cuidado psíquico

Não se trata de desqualificar os avanços. As neurociências trouxeram contribuições importantes. Os medicamentos evoluíram. O sofrimento psíquico ganhou espaço.

A pandemia escancarou dores que antes eram escondidas em silêncio — e isso, em parte, salvou vidas. Mas algo se perdeu no caminho.

O que vejo com frequência, no consultório, são pessoas que chegam não só cansadas, mas também um pouco desencantadas.

Já passaram por diversos profissionais, já experimentaram remédios com nomes difíceis, já ouviram frases apressadas como “isso é depressão”, “isso é ansiedade”, “isso é o seu diagnóstico”. Mas quase ninguém perguntou o que aquilo significava para elas.

O risco da psiquiatria reducionista

É como se tivéssemos aprendido a dar nome ao sintoma — mas desaprendido a escutar a história.

A psiquiatria, quando reduzida a protocolos e prescrição, corre o risco de fazer com as palavras o que certos medicamentos fazem com os afetos: suprimir, regular, anestesiar.

Ela funciona, sim — mas às vezes funciona demais. E, no lugar de aliviar o sofrimento, corta o fio que ligava aquele sintoma a uma vivência, a uma perda, a um vínculo, a um desejo.

Aprofundando a escuta

Por isso, talvez o desafio atual não seja expandir ainda mais a visibilidade da psiquiatria, mas aprofundar sua escuta. Lembrar que sofrimento não é falha de funcionamento. Que tristeza nem sempre é patológica. Que nem todo desconforto precisa de um nome técnico.

Isso exige tempo e presença. Exige saber conversar com a dúvida, com a contradição, com o que ainda não tem forma. Exige, acima de tudo, reconhecer que o saber do paciente não é menor que o do psiquiatra — é apenas de outra natureza.

Resgatando a vocação humana da psiquiatria

É nesse ponto que a psiquiatria pode reencontrar sua vocação mais humana: ao se colocar não como um conjunto de respostas, mas como uma travessia ética ao lado de quem sofre.

E isso inclui medicar, sim, mas também saber quando não medicar. Saber quando é hora de nomear, e quando é preciso apenas sustentar o que está sendo vivido.

O que está em jogo, no fim das contas, não é apenas o que a ciência descobriu sobre o cérebro. É o modo como lidamos com aquilo que é frágil em nós.

O que o paciente traz

A psiquiatria tem muito a oferecer — desde que não se esqueça da delicadeza que isso exige. Porque o que o paciente traz não é só um sintoma.

É uma pergunta. E ninguém merece ser atendido com pressa justamente quando começa a encontrar coragem de se expressar.

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Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca

Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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