Eles não estão frágeis. Estão procurando onde cabem.
É comum ouvir que os jovens estão frágeis, ansiosos, “desconectados da realidade”. Mas o que acontece quando, em vez de rotular, a gente escolhe escutar?
Um relatório recente da Universidade de Harvard, chamado On Edge, propõe exatamente isso: ouvir com seriedade a geração que hoje tem entre 18 e 25 anos — sem reduzi-la a memes, críticas ou frases feitas.
Os dados impressionam, mas mais do que os números, importa o que eles revelam: há um tipo de sofrimento emocional que vem sendo pouco reconhecido — e muito mal interpretado.
O que os dados dizem?
Entre os jovens adultos entrevistados:
- 36% relataram sintomas de ansiedade
- 29% mostraram sinais de depressão
Esses índices são o dobro do observado entre adolescentes. Mas os números mais marcantes falam de outra coisa:
- 58% dizem que suas vidas carecem de propósito
- 50% se sentem perdidos diante do futuro
- 44% sentem que não são importantes para os outros
Não se trata apenas de um quadro “químico” ou passageiro. Muitos desses jovens não estão adoecendo porque são frágeis — estão sofrendo porque não encontram lugar. E, mais do que isso, porque se sentem invisíveis, substituíveis, descartáveis.
Entre os jovens que disseram não se sentir importantes para ninguém, 86% também relataram falta de propósito — um dado que diz muito sobre como o sentimento de valor está diretamente ligado à possibilidade de construir sentido.
O que pesa — e não se vê
Essa geração cresceu com promessas de liberdade e escolhas infinitas. Mas também com instabilidade política, crise ambiental, vínculos precários e um mundo cada vez mais acelerado — onde tudo é mensurável, compartilhável, avaliável.
Aprenderam a performar. A serem eficientes. Mas nem sempre tiveram com quem contar.
O resultado é uma geração que sabe falar de si, mas não sabe se sentir acolhida.
Enquanto isso, a escuta foi se rarefazendo. O cuidado virou “conteúdo”. O afeto virou performance. E muitos foram se sentindo cada vez mais sozinhos — mesmo cercados de gente.
Ao serem perguntados o que lhes dá propósito, a maioria falou em relações — família, amizades, cuidado com os outros. Trabalho e estudo apareceram raramente. A religião, que já ocupou esse espaço em outras gerações, foi citada por apenas 15%.
Ou seja: o sentido não está nos títulos, mas nos vínculos. E é exatamente aí que muitos se sentem mais frágeis.
E no consultório?
No consultório, muitos chegam se sentindo inadequados. Culpados por não estarem “funcionando direito”. Tentando entender por que sentem tanto — ou por que não sentem mais nada.
Outros dizem que têm metas, diplomas, prêmios — mas tudo parece vazio. Não é incomum ouvir frases como:
“Eu só consigo me sentir valioso quando estou entregando resultados.”
Ou ainda:
“Se eu não for bom, ninguém vai ficar.”
Essa lógica tem sido internalizada como estrutura afetiva: só mereço amor se eu performar bem. Só sou importante se eu for útil. Só existo se eu corresponder.
Como psiquiatra, entendo que, antes de qualquer intervenção, é preciso oferecer um espaço onde alguém possa, enfim, ser escutado — sem precisar se justificar, se adaptar, se defender.
Porque quando alguém diz que não vê mais sentido em nada, a resposta não pode ser um plano de metas. Precisa ser presença.
Como ajudar?
- Acolhendo as perguntas antes de apressar as respostas
- Estando perto sem cobrar desempenho emocional
- Reconhecendo o valor da dúvida, da pausa, do não saber
- Ajudando a construir um solo interno que seja habitável
- Reforçando a sensação de que a pessoa importa — sem ter que provar
O relatório também aponta que jovens que mantêm esperança em relação ao amor e ao trabalho têm mais chance de experimentar sentido. Em outras palavras: ajudar alguém a acreditar em futuros possíveis pode ser, sim, um gesto terapêutico.
Um convite à escuta adulta
A chamada “Geração Z” não precisa de lições prontas. Precisa de referências humanas, não performáticas. De adultos presentes, não perfeitos. De vínculos mais disponíveis e menos condicionais.
Talvez o mais terapêutico que possamos oferecer seja isso:
Um espaço onde alguém possa existir sem ter que provar nada.
Onde o cuidado não precise ser merecido.
Onde viver, simplesmente viver, volte a fazer algum sentido.
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
Compartilhar post: