Quando o querer importa: por que autonomia é parte do tratamento
Nem toda melhora vem do remédio certo.
Nem todo vínculo nasce de um protocolo bem aplicado.
E quase nenhuma mudança duradoura floresce quando não há espaço para a escolha.
Na prática clínica, vemos isso com frequência: pacientes que sabem o que “deveriam” fazer, mas não conseguem.
Que já escutaram as orientações, mas não se sentem envolvidos.
Que seguem a prescrição, mas não se sentem parte do processo.
É aí que a autonomia deixa de ser um ideal abstrato e se revela como parte essencial do cuidado.
Três necessidades que sustentam a motivação
Segundo a Teoria da Autodeterminação, proposta por Deci e Ryan, a motivação humana se fortalece quando três experiências estão presentes:
- Autonomia: sentir que as decisões não são impostas, mas escolhidas.
- Pertencimento: perceber-se respeitado e conectado a quem cuida.
- Competência: acreditar que é possível lidar com os desafios, ainda que com apoio.
Esses três pilares não apenas aumentam a adesão a tratamentos — eles transformam a maneira como alguém se posiciona diante de si mesmo.
Em vez de paciente passivo, um agente da própria trajetória.
Em vez de alguém que apenas “segue ordens”, alguém que entende, escolhe e se compromete.
O que acontece quando há escuta verdadeira?
Transformando a experiência clínica
Na consulta, isso implica uma mudança sutil, mas profunda:
trocar o “faça isso” pelo “vamos pensar juntos em como fazer”.
Abrir espaço para o sim — e também para o não.
Reconhecer que um plano de cuidado só faz sentido se puder ser vivido com dignidade.
Especialmente em casos de sofrimento emocional crônico, ansiedade resistente ou depressões recorrentes, o que mais escuto não é “o que devo fazer?”, mas “por que nada do que eu faço parece adiantar?”.
Nessas horas, escutar é mais do que entender o sintoma.
É restaurar o vínculo com o próprio querer — que muitas vezes está ferido, adormecido ou desorganizado.
Não se trata de romantizar o sofrimento ou evitar intervenções firmes quando necessárias, mas sim de lembrar que até as intervenções mais técnicas funcionam melhor quando há acordo genuíno.
Não apenas adesão formal, mas comprometimento real.
Buscar o apoio de um psiquiatra pode ajudar a transformar o desejo de mudança em ações concretas, respeitando seu ritmo e fortalecendo sua autonomia.
Quando há escolha, há raiz.
A confiança que se constrói quando alguém se sente respeitado em sua autonomia é diferente.
Ela não depende de promessas ou pressões — mas de presença.
De uma escuta que reconhece que nem tudo pode ser forçado, e que algumas mudanças só amadurecem quando a vontade também é convocada.
Porque o que é escolhido com liberdade tem outro valor.
E o que é vivido com consciência tem outra chance de durar.
Talvez, no fim, o que mais transforma seja justamente isso:
A experiência de ter sido ouvido — não apenas como sintoma, mas como sujeito.
De ter sido convidado — e não apenas conduzido.
De ter participado — e não apenas obedecido.
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
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