Nem submisso, nem livre: o sujeito que brilha para não desabar

Há pessoas que parecem incrivelmente fortes. Inteligentes, articuladas, produtivas. Donas de si. Imunes à opinião alheia.

Mas basta olhar de perto — e escutar com paciência — para perceber algo mais fundo: muitas dessas pessoas carregam um esgotamento silencioso, uma tristeza que não tem nome e uma raiva que não se permite sair. Pessoas que passaram a vida tentando não depender de ninguém, não incomodar ninguém e, sobretudo, não decepcionar o olhar que moldou sua existência.

Esse texto é sobre elas.


Submissão travestida de sucesso

Na linguagem da psicoterapia, isso se aproxima do que chamamos de esquema de subjugação: uma espécie de trilha inconsciente criada lá atrás, quando a criança aprendeu que expressar seus sentimentos ou vontades podia trazer punição, rejeição ou culpa. O desejo próprio foi calado. A espontaneidade, desativada. E no lugar disso nasceu um tipo de obediência camuflada: a da criança que vira adulto competente, mas não inteiro.

Só que nem sempre essa subjugação se apresenta como submissão visível. Muitas vezes, ela aparece como o seu oposto aparente: autossuficiência emocional extrema, intelectualização compulsiva, crítica constante aos outros e a si mesmo.


Quando a mente vira trincheira

Essa defesa tem uma função: proteger o sujeito de reviver aquela sensação insuportável de ser dominado, ignorado ou corrigido de novo. Então ele constrói um jeito de viver onde ninguém mais encosta na sua dor. Não chora. Não pede. Não se mostra. Mas também não se encontra.

Usa o pensamento como muralha. A lógica como escudo. O discurso como zona de controle.

É o tipo de pessoa que analisa tudo — e a todos. Questiona terapeutas, desmonta argumentos, busca contradições. Não por arrogância, mas porque tem medo de entregar sua confiança para alguém que possa, de novo, apagá-la.


Um vazio que a mente não preenche

Com o tempo, esse brilho intelectual deixa de proteger e começa a adoecer. Porque o sujeito segue brilhando por fora, mas não sente mais nada por dentro. Perde a libido, o interesse, o prazer. Começa a adoecer fisicamente. Ou a viver num cinza crônico, onde tudo parece funcionar, mas nada realmente toca.

E o pior: muitas vezes, esse sofrimento não encontra lugar nem na terapia. Porque ele não confia no vínculo, e o terapeuta pode acabar tratando a inteligência como resistência, e não como sintoma.


Escutar o que nunca foi dito

A saída não é simples. E não é rápida.

Mas começa com algo profundamente transformador: ser escutado sem ser corrigido, sem ser moldado, sem ter que brilhar para merecer atenção. É poder dizer “não sei”, “estou cansado”, “não quero mais ser esse que dá conta de tudo” — e não ser abandonado por isso.

A verdadeira autonomia não é não depender de ninguém.
É poder escolher a quem entregar seu desejo — e saber que ele ainda será seu.


Se esse texto te tocou ou te fez pensar em alguém, compartilhe. Às vezes, é numa escuta silenciosa e respeitosa que começa o processo de reaprender a existir como sujeito — e não como projeto.

 

dr fabio fonseca psiquiatra campinas perfil profissional

Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca
Psiquiatria e Psicoterapia

Com mais de 20 anos de experiência como psiquiatra e psicoterapeuta, o Dr. Fábio é conhecido por sua abordagem humanizada e pelo compromisso em oferecer cuidados de saúde mental baseados nas mais recentes evidências científicas.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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