Diagnóstico, Estigma e Visibilidade: Entre a Escuta Clínica e a Armadilha do Rótulo

O paradoxo da psiquiatria contemporânea

Vivemos um tempo curioso. O sofrimento psíquico, por tanto tempo empurrado para os porões da vergonha, da inadequação ou da loucura, agora circula com uma visibilidade inédita.

Termos psiquiátricos antes restritos a prontuários clínicos ganham espaço em postagens, memes e bios de redes sociais.

Depressão, TDAH, ansiedade, borderline — são palavras que informam identidades, justificam condutas, explicam silêncios. Mas essa visibilidade é ambígua.

Quando nomear é libertar e também aprisionar

De um lado, há algo de profundamente restaurador em poder nomear a dor. Descobrir que ela tem nome, causa, tratamento. Que não se trata de fraqueza moral, mas de algo legítimo.

O diagnóstico pode ser uma chave de libertação — um primeiro gesto de reconhecimento e dignidade. De outro, há um risco sutil e insidioso: quando o diagnóstico deixa de ser ferramenta clínica para se tornar performance.

Quando o sofrimento se molda ao algoritmo, vira produto, persona ou estética. E, nesse processo, perde densidade, contexto e verdade.

Para um acompanhamento acolhedor e sem estigmas, conte com um psiquiatra que valoriza a escuta clínica e o cuidado individualizado.


O estigma resiste — e às vezes se disfarça

Enquanto alguns diagnósticos são amplamente compartilhados, outros seguem cercados por silêncio, medo e preconceito. Transtornos mais graves, internações, uso contínuo de medicamentos ainda são vistos com desconfiança.

A psiquiatria, embora mais presente na cultura, continua sendo um território delicado — onde o estigma mudou de roupa, mas não desapareceu.

Há quem negue a existência dos transtornos mentais. Há quem reduza tudo à química cerebral. E há quem trate o diagnóstico como passaporte identitário — mesmo antes de haver escuta, elaboração ou processo clínico real.

As armadilhas do diagnóstico

Nesse cenário, surgem algumas armadilhas:

  • A armadilha da negação: quando o sofrimento do outro é deslegitimado por parecer “modinha”.

  • A armadilha da banalização: quando o diagnóstico vira desculpa ou identidade fixa.

  • A armadilha da medicalização automática: quando todo mal-estar vira CID e toda CID vira prescrição.

Mas há ainda uma armadilha mais sutil — e talvez mais perigosa: a armadilha do diagnóstico precoce, descrita na Entrevista Motivacional.

A armadilha do diagnóstico na Entrevista Motivacional

Na linguagem da Entrevista Motivacional, essa armadilha ocorre quando a conversa gira em torno do nome do problema, e não da pessoa que o vive.

Quando o profissional entrega uma explicação — mas não escuta a motivação.

Quando se antecipa à relação, o diagnóstico pode interromper o processo de agência do paciente. Ele diz o que a pessoa “tem”, mas não o que ela deseja mudar. E assim, paradoxalmente, quanto mais se nomeia, menos se compreende.

O diagnóstico, quando mal posicionado, se torna um ponto final em uma conversa que nem começou.

Diagnóstico para quê?

Por isso, talvez a pergunta mais clínica — e mais ética — não seja “qual é o diagnóstico?”, mas sim:“Para que serve esse diagnóstico?”

Serve para dar sentido ou para silenciar perguntas?

Para ampliar a autonomia ou reforçar dependências?

Para abrir espaço de cuidado ou fechar em uma identidade?

Nem tudo que ganha nome encontra escuta. E nem tudo que silencia deixou de doer.

Escutar é mais do que entender

A tarefa clínica hoje talvez seja dupla:

  • Restituir o valor do diagnóstico como instrumento de cuidado e orientação — e não de controle.

  • E, ao mesmo tempo, proteger a escuta clínica das pressões do rótulo, da visibilidade e da lógica de performance.

Porque há algo de profundamente humano no desejo de ser compreendido. Mas há também algo de profundamente clínico na arte de não se apressar em entender.

dr fabio fonseca psiquiatra campinas perfil profissional

Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca

Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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