Dor legítima não é destino: entre a história e a possibilidade
Por que alguns pacientes sofrem mais?
O impacto do contexto
Na escuta clínica, essa pergunta não é teórica — ela é urgente.
Porque o sofrimento não vem só do que está dentro.
Vem também do que faltou fora: corpos não reconhecidos, territórios silenciados, histórias marcadas por exclusão.
Racismo, desigualdade, abandono, violência.
Essas palavras não são apenas conceitos.
São experiências vividas.
E, sim, doem diferente — mesmo que alguns insistam em negar.
Reconhecendo a dor sem reduzir o sujeito
Mas a pergunta que inquieta o clínico não para aí:
Como reconhecer essas marcas sem reduzir o sujeito a elas?
Como sustentar o contexto — sem congelar a pessoa dentro do papel de vítima?
Já ouvi mais de uma vez:
“Eu sobrevivi, mas não sei mais quem sou fora disso.”
E essa frase, embora verdadeira, também é um alerta: a dor pode se tornar identidade.
E identidade, às vezes, vira prisão.
Terapias contextuais e padrões de comportamento
Aprendendo a escutar além da história
Nas terapias contextuais — como a ACT, a DBT e a análise funcional do comportamento —
aprendemos a escutar mais do que a história.
Aprendemos a perguntar:
O que esse comportamento protege?
O que ele evita?
O que ele mantém?
Padrões que se repetem
Porque mesmo quando o sofrimento é legítimo, ele pode gerar padrões que se repetem, não por escolha, mas por necessidade aprendida. E quando esses padrões se fixam, é a própria vida que fica fora do campo de visão.
Ética clínica e acolhimento
A ética clínica, nesse ponto, não se resolve em slogans.
Ela se realiza na prática:
Em validar a dor, sim — mas sem cristalizá-la.
Em oferecer acolhimento — mas também convite.
Em reconhecer o que te feriu — e ainda assim perguntar quem você quer ser.
Direito de estar cansado e desejar mudar
Você tem o direito de estar cansado.
De parar, respirar, cuidar das feridas.
De dizer: isso não foi culpa minha.
Mas talvez ninguém tenha te dito:
Você também tem o direito de não se resumir àquilo que te feriu.
De desejar.
De tentar.
De mudar.
O desejo como parte do cuidado
E isso não é ingênuo. Nem despolitizado.
É profundamente clínico — e profundamente humano.
Porque a dor precisa ser vista.
Mas o desejo também.
Histórias de sobrevivência e pequenas transformações
Na consulta, o que mais escuto são histórias de sobrevivência.
E o que mais me emociona…
é quando, em meio à dor, ainda nasce uma pergunta:
“Será que eu posso querer mais?”
Sim. Pode.
Mesmo quando o mundo não facilita.
Mesmo quando a vida foi dura demais por tempo demais.
Ainda assim, há pequenos gestos possíveis.
Gestos que não negam a história — mas a ampliam.
Que não ignoram o trauma — mas convidam à transformação.
Entre o que te fizeram e o que você pode escolher
Entre o que te fizeram e o que você pode escolher,
há um caminho.
Ele começa, muitas vezes, com alguém dizendo:
“Eu vejo a sua dor. Mas também vejo quem você ainda pode ser.”
…Se você sente que precisa de apoio para compreender seus sentimentos e construir novas formas de lidar com a dor, conversar com um psiquiatra pode ser o primeiro passo para uma jornada de cuidado e transformação.
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
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