“Não posso sentir isso agora”: o custo oculto da supressão emocional
Algumas pessoas parecem ter aprendido, desde cedo, que não podiam sentir tudo o que sentiam. Que havia sentimentos certos e errados. Que demonstrar mágoa era fraqueza. Que chorar era coisa de gente frágil.
Que a raiva deveria ser engolida — e o medo, ignorado.
Muitas vezes, esse aprendizado não foi explícito. Não houve um manual, mas houve reações.
Quando se mostravam vulneráveis, eram repreendidas. Quando expressavam dor, eram ridicularizadas. Quando demonstravam medo, eram abandonadas. E assim, aos poucos, aprenderam a esconder.
Esconder o quê?
Quase tudo. A tristeza que sentiam ao serem preteridas. A raiva de não serem vistas. A frustração com limites injustos. A dor de serem tratadas como se não importassem. O ressentimento por terem que cuidar dos outros antes de cuidarem de si.
Essa forma de funcionar pode até ter sido adaptativa — em ambientes em que não havia espaço seguro para ser quem se era. Mas, com o tempo, cobra seu preço.
Quem reprime por muito tempo pode perder a intimidade com o que sente. Pode viver em piloto automático. Pode se tornar funcional — e profundamente exausto. Pode desenvolver sintomas físicos sem nome claro.
Ou crises de ansiedade aparentemente sem motivo. Pode se tornar alguém “difícil de acessar” — até por si mesmo.
Mas por que isso acontece?
Porque emoções não desaparecem quando reprimidas. Elas se acumulam. Se transformam. Aparecem distorcidas. Às vezes, em forma de irritabilidade constante.
Outras vezes, como insônia, apatia, dores recorrentes ou um incômodo difuso que parece não ter origem.
O que é, afinal, supressão emocional?
Na psicologia, o termo costuma designar uma tentativa consciente ou automática de inibir a expressão e a experiência subjetiva de sentimentos considerados inaceitáveis ou ameaçadores.
É diferente da regulação emocional saudável, que permite sentir e escolher o que fazer com aquilo. Na supressão, o sentimento não tem sequer o direito de existir.
E, com o tempo, isso não só empobrece a vida afetiva, como pode contribuir para transtornos depressivos, ansiosos, alimentares ou mesmo sintomas dissociativos.
Há saída?
Sim. Mas ela costuma ser gradual — e exige um espaço confiável, seja em relações significativas ou no atendimento clínico com um psiquiatra.
Aqui estão algumas possibilidades que ajudam a romper o ciclo da supressão emocional:
-
Dar nome ao que se sente — com calma, sem pressa. Muitas vezes, a pessoa só sabe que está “desregulada” ou “estranha”. Uma forma de começar é prestar atenção ao corpo: onde há tensão, calor, fechamento? A partir daí, tentar nomear o sentimento com a linguagem mais próxima possível — não a mais correta, mas a mais verdadeira.
-
Permitir-se observar as emoções sem precisar reagir de imediato. Nem tudo precisa ser resolvido na hora. Algumas emoções precisam apenas ser reconhecidas. É possível criar um pequeno espaço entre sentir e agir. Às vezes, isso já é o suficiente para interromper um padrão antigo.
-
Experimentar momentos de expressão segura. Escrever sobre o que se sente, gravar um áudio para si mesmo, compartilhar algo com alguém de confiança — mesmo que não pareça “grande o bastante” para justificar — já é um movimento de reconexão. Pequenos gestos contam.
-
Explorar a origem desses padrões com curiosidade, não com culpa. A pergunta não é “por que eu sou assim?”, mas “quando foi que eu aprendi a funcionar desse jeito?”. Olhar para o passado com gentileza pode abrir espaço para novas escolhas no presente.
-
Observar as consequências da repressão emocional ao longo do tempo. Ao invés de julgar o impulso de controlar tudo, vale perguntar: “O que isso tem me custado?” Ou ainda: “Quem eu seria se não precisasse esconder tanto do que sinto?”
-
Praticar a exposição gradual à própria sensibilidade. Quem passou a vida escondendo emoções pode se assustar com a ideia de se mostrar vulnerável. Mas não é preciso fazer isso de uma vez. Pode-se começar por deixar alguém perceber um incômodo, por sustentar o olhar quando algo toca, por não sorrir automaticamente quando se está triste.
-
Resgatar a diferença entre sentir e ser dominado. Sentir raiva não é ser violento. Sentir medo não é ser fraco. Sentir tristeza não é ser incapaz. Aprender a ficar com o sentimento sem se confundir com ele pode ser libertador.
Finalizando
Não se trata de “desabafar tudo o tempo inteiro” ou “virar uma pessoa emotiva de repente”. Trata-se de reaprender a habitar a própria vida emocional com mais honestidade e menos julgamento.
Porque sentir — ainda que às vezes doa — é o que nos permite viver com inteireza.
E ninguém merece passar a vida se escondendo de si mesmo.
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
Compartilhar post: