Quando o desejo vacila, a escuta sustenta: a entrevista motivacional como convite à mudança com liberdade

Há conversas que não querem convencer — querem compreender.

entrevista motivacional (EM) nasceu desse lugar: o entre, o talvez, o quase. Um espaço onde a mudança não é exigida nem decretada, mas escutada, evocada, cultivada com respeito.

Essa abordagem não é um conjunto de técnicas. É, antes, uma postura clínica e ética diante da ambivalência humana. Seu coração pulsa nos quatro pilares descritos por Miller e Rollnick: parceria, aceitação, compaixão e evocação. A pessoa não é conduzida por pressão, mas por um convite cuidadoso à autorreflexão.

No lugar de perguntar “Por que você não muda?”, a EM pergunta: “O que em você já deseja mudar — e o que ainda resiste?” Essa escuta radical recusa o caminho mais curto. Prefere o trajeto honesto.

No cotidiano clínico, é comum encontrar quem, com o acompanhamento de um psiquiatra, deseje parar de fumar, reduzir a bebida, encerrar um relacionamento tóxico ou sair de um emprego insustentável. Mas junto ao desejo de mudança, quase sempre vem o medo, a dúvida, a história.

A EM escuta essa tensão sem apressar sua resolução. Ela reconhece o “sustain talk” — falas que mantêm o comportamento atual — como parte legítima da jornada.

E busca, com gentileza, evocar as falas de mudança: desejos, habilidades, razões, necessidades (DARN) que, quando se fortalecem, evoluem para compromissos, ativações e passos (CAT).

Ferramentas como a “escada de importância”, perguntas projetivas (“Como você gostaria que sua vida estivesse daqui a um ano?”) e o uso consciente de reflexões e resumos funcionam não como truques retóricos, mas como formas de devolver ao paciente a escuta de si mesmo.

Às vezes, só conseguimos nomear nosso desejo quando alguém o escuta conosco.

A EM se entrelaça bem com abordagens como a DBT, a ACT e a TCC, porque todas reconhecem que a mudança verdadeira precisa de autonomia, e não de imposição.

A teoria da autodeterminação nos lembra que só mudamos de forma sustentável quando nos sentimos respeitados em nossa autonomia, competência e pertencimento.

Esses princípios ecoam em cada pergunta da EM, em cada silêncio respeitado, em cada hipótese oferecida com permissão.

Essa abordagem tem aplicação ampla: não só na clínica, mas em políticas públicas, justiça restaurativa, educação e mediação de conflitos. Em todos esses contextos, o terapeuta, professor ou mediador precisa conter o impulso de empurrar — e aprender a convidar.

Há riscos, claro. Quando mal compreendida, a EM pode ser usada como técnica de persuasão velada. Por isso, seu “espírito” é mais importante que suas estratégias. Sem isso, perde-se sua força ética e clínica.

A entrevista motivacional não nasce da certeza, mas do cuidado. Não promete atalhos, mas oferece presença. Ela nos lembra que mudar é possível — mas escutar também é.

“Quando alguém hesita entre permanecer e partir, não precisa de quem o empurre. Precisa de quem o acompanhe enquanto escuta a si mesmo.”

dr fabio fonseca psiquiatra campinas perfil profissional

Sobre o autor:

Dr. Fábio Fonseca

Dr. Fábio Martins Fonseca é psiquiatra e psicoterapeuta com mais de 20 anos de experiência. Possui formação pela Unicamp e aperfeiçoamento internacional em Terapia Cognitivo‑Comportamental no Beck Institute (Filadélfia). É membro certificado da Academy of Cognitive Therapy, com especialização em DBT pelo Linehan Institute (Seattle) e formação em Entrevista Motivacional (UNIFESP). Atua com cuidado humanizado e baseado em evidências.

Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.

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