O que o ciúme revela — e o que ele pode esconder?
O ciúme costuma ser rotulado como irracional ou excessivo. Mas o que ele nos diz sobre nossas histórias, nossas dores e os modos como aprendemos a amar? E se, em vez de apenas um sinal de insegurança, o ciúme fosse também um grito por vínculo, por pertencimento, por proteção?
Talvez você já tenha sentido — ou causado — ciúmes em uma relação. Talvez conheça a ansiedade de esperar uma mensagem que nunca chega, ou o impulso de checar redes sociais em busca de pistas. Mas o que está em jogo quando o afeto do outro parece frágil, instável, ameaçado?
Muitas vezes, o ciúme não nasce do momento presente, mas de dores antigas que ecoam no agora. Rejeições precoces, comparações entre irmãos, traições passadas, vínculos frágeis ou ambíguos. Como perguntaria Esther Perel: “Será que o que você sente hoje é só sobre essa pessoa — ou é sobre todas as outras que vieram antes?”
E o que sustenta o ciúme?
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O alívio momentâneo que ele proporciona. Vigiar, acusar, controlar: tudo isso pode gerar uma ilusão de segurança. Mas, como todo alívio breve, ele cobra um preço alto depois.
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A expectativa de que controlar o outro evitará uma nova dor. Mas será que já não estamos sofrendo mesmo antes de algo acontecer?
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A ideia de que o problema está no comportamento alheio — quando, muitas vezes, é a própria ferida aberta que distorce o olhar.
E qual é o custo emocional disso?
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Relações tensas, exaustas, com o afeto corroído pela vigilância.
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Um senso constante de ameaça, como se nunca fosse possível descansar.
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Perda de espontaneidade e confiança — tanto do que sente ciúmes quanto de quem é alvo deles.
E quem está do outro lado?
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E quando o ciúme se volta contra quem nada fez? Como sustentar um vínculo em que tudo precisa ser provado, explicado, justificado?
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Será que há espaço para ser visto, sem ser investigado?
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Será que quem vigia percebe o quanto também fere, o quanto também provoca medo?
Será que é possível confiar sem garantias absolutas? A confiança nasce menos de certezas e mais de escolhas conscientes. De um risco assumido em nome do amor. Como disse Perel: “A confiança é o contrato emocional mais arriscado que fazemos. Mas também o mais libertador.”
E quando há razões reais para a dor? Alguns ciúmes nascem de brechas concretas: mentiras, omissões, traições. Nesses casos, não se trata apenas de curar uma ferida interna, mas de reconstruir as bases da relação. E, para isso, não basta que um mude: ambos precisam querer reparar, renegociar, reconstruir. Como confiar em quem ainda não se responsabilizou? Como perdoar sem apagar a dor?
Há saída? Sim, quando há disposição de reconhecer as raízes do ciúme, nomear as dores antigas e atuais, aceitar os limites do controle e escolher, com liberdade, o tipo de relação que se quer construir.
Às vezes, a saída é interna: reconstruir a autoestima, rever crenças, aprender a lidar com a ansiedade sem projetá-la no outro. Outras vezes, é relacional: ressignificar acordos, dialogar com vulnerabilidade, construir segurança com base na confiança e não na fiscalização.
E sempre, sempre, começa com uma pergunta: De onde vem esse medo? E o que, de verdade, ele está tentando proteger?
Sobre o autor:
Dr. Fábio Fonseca
Psiquiatria e Psicoterapia
Com mais de 20 anos de experiência como psiquiatra e psicoterapeuta, o Dr. Fábio é conhecido por sua abordagem humanizada e pelo compromisso em oferecer cuidados de saúde mental baseados nas mais recentes evidências científicas.
Vamos caminhar juntos em direção a uma saúde mental mais equilibrada e satisfatória.
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